ESPECIAL PETROBRAS (PETR4, PETR3) MAIOR E MAIS PODEROSA

>> 22 agosto 2008


Para transformar o petróleo das profundezas do oceano em riqueza, a Petrobras terá, primeiro, de transformar a si própria

Desde janeiro, mais de 40 funcionários da Petrobras, todos com cerca de 20 anos de casa, trabalham numa ampla revisão do planejamento da companhia para 2020. Até setembro, eles devem apresentar à cúpula da estatal um plano para torná-la mais ágil e equipada para explorar reservas descobertas nas áreas do pré-sal, como é conhecida a formação geológica a 4 000 metros abaixo do fundo do mar. Especialista em retirar petróleo de grandes profundidades, a Petrobras sabe que está diante de um desafio inédito e gigantesco, capaz de elevá-la a um novo patamar num mundo cada vez mais ávido por petróleo e energia. Por isso, embora oficialmente se fale apenas em uma revisão, as mudanças que estão por vir na maior empresa brasileira são, na prática, uma reinvenção. O ritmo de tomada de decisões terá de ser simplificado e acelerado. Mais de 40 000 novos funcionários serão contratados e treinados. As políticas de manutenção dos melhores profissionais terão de ser mais eficazes. Toda a logística da exploração de petróleo deve ser revista. Os investimentos previstos — que já eram de impressionantes 112 bilhões de dólares até 2012 — serão redimensionados. A maneira de captar recursos também. “Estamos prestes a passar por uma transformação intensa e rápida”, disse a EXAME, em julho, o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli. A empolgação com o futuro era tanta que, nos bastidores, falava-se que o pré-sal poderia transformar a Petrobras na maior companhia do mundo em reservas e produção de petróleo e gás. Mas, nas últimas semanas, esse ímpeto arrefeceu. A possibilidade de que o governo crie uma nova estatal para administrar as reservas do pré-sal caiu como água fria na fervura. “O clima não é bom. Toda essa incerteza desanimou o pessoal”, diz um dos executivos envolvidos na elaboração do plano.

Em tese, não há motivo para desânimo. O novo planejamento estratégico da Petrobras leva em consideração apenas os 11 blocos do pré-sal já arrematados pela empresa, em parceria com outras sete petrolíferas estrangeiras. Apesar da grita dos acionistas, a Petrobras continua tendo ótimas perspectivas de lucros com o pré-sal. “Não passa pela cabeça de ninguém que a Petrobras possa perder as áreas que já tem”, diz um diretor. Segundo Gabrielli, a estatal começará a retirar óleo e gás para valer do pré-sal em 2015, quando, espera-se, a produção deverá passar do 1,9 milhão de barris diários para 4,1 milhões. Suas reservas, hoje em 14 bilhões de barris, podem mais que dobrar, dependendo da quantidade de óleo disponível no pré-sal. Tudo isso continua como está. O que pode mudar, segundo o que foi dito até agora por membros do governo, é a perspectiva de novos ganhos. Caso seja criada uma estatal para ser dona do novo petróleo — o que, ressalte-se, ainda não passa de uma idéia defendida por setores do governo —, a Petrobras teria menos oportunidades de acrescentar novas reservas a seus ativos. A conta se baseia numa estimativa de que pelo menos três quartos do volume de óleo do pré-sal estão em áreas ainda não licitadas. “Sem novas reservas, a tendência é a companhia se desvalorizar”, diz David Zylberstajn, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo, órgão regulador do setor.

A ironia é que o recente debate sobre um novo modelo para o petróleo decorre dos grandes avanços da Petrobras. Foi graças aos investimentos em pesquisa e tecnologia, por exemplo, que a empresa chegou ao pré-sal. A descoberta levou a Petrobras a atingir, em maio, o terceiro maior valor de mercado entre companhias abertas das Américas, superando a Microsoft. (Parte dessa valorização seria perdida posteriormente devido às oscilações no preço do petróleo, aos temores de um desaquecimento da economia mundial e às incertezas em relação ao futuro da estatal.) O presidente Lula tem dito a seus interlocutores mais próximos temer que a estatal se torne “poderosa demais”, mais até do que o próprio governo, caso detenha o comando da exploração das novas reservas. Esse tipo de afirmação, sempre feita sob anonimato por pessoas próximas ao presidente, irritou profundamente os executivos da Petrobras nos últimos dias. Procurado por EXAME, o presidente da estatal, que havia dado entrevista sobre o pré-sal em julho, não quis comentar as últimas declarações vindas de Brasília. A Lula também não agrada o fato de a Petrobras ter de prestar contas a acionistas no Brasil e no exterior, donos de 68% de seu capital. “Graças a eles, a Petrobras ganhou competitividade e transparência”, diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Estudos de Infra-Estrutura. “São eles que impedem que a companhia seja usada como instrumento político, como acontece com a PDVSA, na Venezuela.”


Como chegar à Petrobras do futuro
Os principais desafi os que a companhia tem de superar para aproveitar a riqueza do pré-sal
Serviços
Contratar 42 navios, 146 barcos de apoio e 40 sondas, respeitando a determinação de utilizar mais de 50% de conteúdo nacional. Esses equipamentos estão escassos no mundo todo e os estaleiros brasileiros não têm condições de produzi-los


Pessoal
Contratar 14 000 funcionários só para trabalhar no pré-sal. Hoje, são 22 000 funcionários na exploração e produção de petróleo e gás
Redesenhar a política de retenção de talentos. Hoje, as ofertas de salário dos concorrentes para técnicos experientes chegam a 45 000 reais por mês, o triplo do que paga a estatal


Logística
Rever o esquema de transporte dos funcionários. Os helicópteros em uso não têm autonomia para voar, lotados, todo o percurso de ida e volta até os novos campos, a 300 quilômetros da costa
Encontrar uma forma efi ciente de trazer o óleo e o gás até a costa. Os gasodutos disponíveis hoje têm capacidade para transportar 10 milhões de metros cúbicos de gás. Só no campo de Júpiter a produção diária deve ser de 50 milhões de metros cúbicos


Processo decisório
Reformular a tomada de decisões. Hoje qualquer contrato com valor acima de 20 milhões de reais tem de ser aprovado em diretoria, o que faz com que ocorram atrasos operacionais


Novos produtos
Ampliar de dois para seis o número de refi narias novas a ser construídas até 2017
Vender mais produtos de maior valor, como diesel e gasolina

O fim do monopólio da Petrobras sobre a exploração e a produção do petróleo foi decretado em 1997. Desde então, ela praticamente triplicou sua produção e transformouse em líder mundial em exploração de petróleo em águas profundas. Esse crescimento deu à estatal status de companhia global e transformou-a num dos principais motores da economia brasileira. Seu faturamento de 101 bilhões de dólares em 2007 representou 10,4% das vendas totais das 500 maiores companhias do país, segundo a última edição de Melhores e Maiores, de EXAME (isso sem considerar a BR, seu braço de distribuição de combustíveis). No primeiro semestre deste ano, as ações da Petrobras representaram 20% do volume de recursos movimentados na Bovespa. Seu orçamento para investimentos em 2008, de 40 bilhões de dólares, é metade de tudo o que o BNDES pretende aplicar neste ano. Em 2007, a empresa pagou, sozinha, 13% do total arrecadado com impostos pelo governo federal e 17% do ICMS, pago aos estados. Foram 80 bilhões de reais, ou 2,6 vezes o orçamento do governo para a educação. À estatal cabem 30% dos investimentos previstos no PAC — mais 144 bilhões de reais.


Dez exemplos de grandeza

Todos esses números só reforçam o fato de que mais de cinco décadas de interferências políticas não foram suficientes para imobilizar a capacidade técnica que foi forjada na empresa. E, mesmo que uma nova estatal venha a ser criada, a descoberta dos novos reservatórios tornou um novo salto — de produção, investimentos, tecnologia — um imperativo para a Petrobras. Desde que começou a se aventurar no pré-sal, em 2001, a estatal investiu 1 bilhão de dólares em levantamentos sísmicos, contratação de sondas para perfuração e testes. A empresa ainda não sabe quanto deverá investir para determinar o tamanho das reservas que ela já tem abaixo da camada de sal. Como precisa furar mais 18 poços exploratórios a um valor médio de 60 milhões de dólares cada um, será preciso gastar, por baixo, mais 1 bilhão até o final de 2009. Os primeiros barris começam a ser extraídos do campo de Tupi, em caráter experimental, em março de 2009. Um ano depois começa um projeto piloto, que vai retirar 100 000 barris por dia desse campo. Em 2012, os novos poços começam a produzir comercialmente. Só a partir de 2015, estima Gabrielli, os campos do pré-sal começam a produzir a plena capacidade.


A Petrobras no mundo

QUANDO ISSO ACONTECER, A PETROBRAS terá de ter resolvido algumas questões críticas. A primeira será encontrar, no mundo, equipamentos e serviços para sustentar toda essa atividade. Com a alta do petróleo e a corrida para encontrar novas reservas, esses equipamentos praticamente sumiram do mercado. A estatal pretende contratar 42 navios, 146 barcos de apoio e 40 sondas só para produzir no pré-sal. Para driblar a falta de equipamentos no mercado, a Petrobras já deslocou uma de suas sondas no Golfo do México para o Brasil e diminuiu de 120 para 70 dias o tempo que as sondas permanecem num único campo. Segundo o presidente da Petrobras, a idéia é aumentar a exigência de conteúdo nacional na fabricação desses equipamentos, que hoje é de 50%. “Essa é hoje nossa principal limitação. Alguns fornecedores, como os estaleiros e certas áreas de máquinas e motores, estão no limite da capacidade. A indústria nacional vai precisar correr para atender às nossas encomendas”, diz Gabrielli.

Outra limitação importante é a mão-de-obra. A Petrobras planeja contratar 14 000 engenheiros, geólogos e perfuradores nos próximos três anos só para trabalhar no pré-sal — mais de 12 pessoas por dia. Hoje são 22 000 funcionários em toda a exploração e produção. Para uma companhia que já tem 70 000 funcionários, dos quais 21 000 com menos de sete anos de casa, treinar toda essa gente — e mantê-la depois — será uma tarefa gigantesca. “O aquecimento da atividade no setor só vai aumentar a demanda por profissionais. É natural que o mercado vá buscar gente na Petrobras”, diz um ex-executivo da estatal que hoje trabalha como consultor. Segundo esse consultor, as ofertas de salário para técnicos especializados em exploração chegam a 45 000 reais. O salário médio para esses técnicos na Petrobras varia de 12 000 a 15 000 reais.

Ainda que os funcionários e os equipamentos estejam disponíveis, a Petrobras precisa reformular toda a sua logística, desde o transporte de pessoal até as plataformas e a maneira de trazer o óleo e o gás para a costa. “Muitas coisas no pré-sal serão testadas no Brasil pela primeira vez”, diz Luis Costamilán, presidente da britânica BG, sócia da Petrobras em cinco dos 11 blocos do pré-sal. A exportação do gás é uma dessas “coisas” inéditas. Os gasodutos disponíveis têm capacidade de transportar, no máximo, 10 milhões de metros cúbicos por dia. Embora as reservas não estejam totalmente mapeadas, já se sabe que, só de Júpiter, um dos campos, será possível retirar cerca de 50 milhões de metros cúbicos por dia. Entre as possíveis soluções para aproveitar esse potencial está, por exemplo, a construção de usinas térmicas ao lado das plataformas para transformar o gás em energia em alto-mar e transportá-la via cabo. Outra solução é liquefazer o gás em alto-mar, e uma terceira opção seria reinjetá-lo no subsolo para ajudar na exploração do petróleo. A lista de desafios da estatal segue com a questão do transporte de funcionários e insumos até as plataformas da maneira mais econômica possível. Os helicópteros usados hoje não têm autonomia para fazer, cheios, o percurso de 600 quilômetros de ida e volta das plataformas do pré-sal até a costa. “Ou os helicópteros farão o dobro das viagens ou teremos de construir uma plataforma no meio do caminho para abastecimento”, diz Costamilán. A complexidade dos problemas que a Petrobras precisa resolver para lucrar com a nova fronteira exploratória impõe também uma revisão em seu processo de decisão. Como toda estatal, ela é lenta e, muitas vezes, segue caminhos que não estão alinhados à lógica do mercado. Hoje, por exemplo, todo contrato acima de 20 milhões de dólares deve ser aprovado em diretoria, o que leva tempo e gera atrasos. “Essas reuniões nunca duram menos de 12 horas, e é comum alguns assuntos serem postergados. Isso vai mudar”, diz um dos diretores.

Ninguém deixará de notar a ironia de ver uma estatal do porte da Petrobras buscando ganhos de eficiência e se preocupando em manter seus talentos — duas notórias deficiências de quem tem o Estado como um de seus patrões. Pois existe outra grande ironia, com data marcada. Na sexta-feira 29 de agosto, os conselheiros da Petrobras vão se reunir no Rio de Janeiro para conhecer a versão inicial do novo plano estratégico. Será a primeira vez que eles terão acesso a uma descrição detalhada dos desafios que a companhia precisa superar para dar o maior salto de sua história. Até o fechamento desta edição, estava prevista a presença de Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil e presidente do conselho da estatal, e do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão — dois dos maiores defensores da criação de uma nova estatal para administrar a fortuna escondida no pré-sal.
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